
A Química do Desejo
Se o que atraiu você a este texto foi o título, saiba
que, pela mesma razão comprei a revista Galileu deste mês. Tentava entender
algumas coisas sobre as nuances de meus desejos e apetites, suas variações e, se
possível, como esse fenômeno se dá nas outras pessoas, porque, às vezes, me acho
meio diferente.
A reportagem é previsível, embora bem escrita. Nenhuma
novidade além do que eu já havia estudado em História da Arte há muitos anos,
quando fomos apresentados às estatuetas incas de mulheres com corpinho de pilão.
O texto associa a atratividade de um homem ou mulher às características mais
adequadas ao instinto atávico da procriação. Explica, por exemplo, porque os
homens preferem as mulheres curvilíneas. As ancas generosas são atributos das
boas parideiras e os seios fartos indicam uma maior predisposição à amamentação
- nossos instintos desconhecem o silicone. Peitões também denunciam mais
inequivocamente a idade avançada, pois sofrem com mais rigor a lei da gravidade.
Não é que os rapazes sejam fúteis e só queiram namorar ninfetas turbinadas de
cabeças vazias. É que instintivamente, vêem na mulher mais jovem um maior
potencial em gerar e parir uma prole saudável. A cintura fina harmoniza o
conjunto, realçando os atributos da fêmea reprodutora.
Já as mulheres
buscam no homem os aspectos de virilidade, como a musculatura bem definida, as
feições másculas "pero sin perder la ternura jamás" e o cheiro. Pasmem! De
acordo com a revista, pode-se sentir o odor da testosterona num macho adulto
apto à reprodução e isso é excitante para a maioria das mulheres. Ah! A revista
alerta que os perfumes ditos ferormônios não funcionam. Portanto, trate de
produzir sua própria testosterona. Não pergunte-me como.
Um pouco mais
evoluídas, nós, mulheres, buscamos também sinais de poder e riqueza. Não, não
somos interesseiras. Isto é, somos. Mas não é uma questão de mero egoísmo. Esta
preocupação também vem dos tempos das cavernas, quando os homens eram
responsáveis por trazer a caça que manteria a família viva. Apenas houve um
processo cultural que transformou os víveres selvagens de então no vil metal de
agora.
Em ambos os sexos, a curva do desejo está associada à idade e, no
caso das mulheres, ao ciclo menstrual. Quanto mais férteis, mais predispostos ao
prazer.
Tudo bem explicadinho, poderíamos supor que nossas paixões não
são muito diferentes das que vivem nossos aparentados símios e é neste ponto que
começo a discordar da matéria. Se assim o fosse, nós seríamos como radares,
excitando-nos à presença de qualquer ser humano do sexo oposto com as
características acima e... ops! Já que eu falei em sexo oposto, como explicar o
homossexualismo? Como boa espectadora do Discovery Channel, sei que ele acontece
até entre algumas espécies animais, às vezes apenas como forma do macho
dominante manter sob seu controle outros machos do bando ou como forma de machos
não dominantes satisfazerem suas necessidades sexuais, uma vez que as fêmeas
normalmente não estão ao seu alcance. Entre os humanos a coisa é um pouco
diferente. Homens e mulheres perfeitamente aptos à procriação optam por
relacionar-se com pessoas do mesmo sexo, numa verdadeira contramão do que seria
a via normal dos fluxos do desejo. Ainda assim, é inevitável afirmar que há
atração sexual entre eles. Que fenômenos químicos os influenciam?
Eu até
posso me considerar regida pela lua, ficando mais romântica e, consequentemente
mais predisposta ao amor na lua cheia. Mas posso afirmar que o ciclo menstrual
tem pouca ou nenhuma influência nos meus apetites. Para contrariar ainda mais a
reportagem, quando mais jovem e, consequentemente, mais fértil, tinha muito
menos vontade de fazer amor do que agora. Se bem que, fértil, nunca fui, pois
estou todo o tempo fazendo uso de métodos contraceptivos, mecânicos ou químicos.
Como o corpo entende isso? Melhor: como o corpo lida com as intervenções humanas
sobre a sexualidade? Contraceptivos a base de hormônios, vasectomia,
histerectomia ou simples laqueadura, reposição de hormônios... Todos esses
métodos, mais ou menos invasivos derrubariam ou levariam às alturas a libido de
qualquer um. E o Viagra e Cialis? Teoricamente, se a curva do desejo está em
declínio, ao ponto do homem não mais ser capaz de uma ereção, por que ele
procuraria fazer uso desses medicamentos?
A reportagem afirma que o
mecanismo é mesmo complexo, não admitindo simplismos. Um fator complicador está
nos aspetos culturais. No amor e na paixão, que a autora do texto explica ser
mesmo diferente da atração sexual. Mas ela também afirma que a manutenção do
desejo está diretamente relacionada ao prazer encontrado na relação. Ela entra
nessa espinhenta seara dando como exemplo o famoso telefonema no dia seguinte
tão esperado pela maioria das mulheres. Se não houve, pode ser que ele seja
mesmo um canalha, mas também pode ser que não tenha "rolado química".
Faz
sentido, mas há controvérsias.
Folheando uma revista feminina no salão,
li a carta de uma mulher, separada há algum tempo, que dizia ser tarada pelo
atual namorado. Muito apaixonada por ele, bastava um telefonema, um e-mail, para
ela ficar excitadíssima, pronta para o ato. Porém, ela completava: no rala e
rola, o ex-marido, apesar de nunca tê-la excitado do mesmo modo, ainda era,
disparado, muito melhor amante, capaz de proporcionar-lhe os mais fantásticos e
duradouros orgasmos. O sexólogo da revista explicou que os sentimentos dela pelo
atual namorado eram os responsáveis pelo afloramento de tanta libido, mas a
tendência seria uma redução progressiva com o passar do tempo. Afirmava ainda
que a relação só se manteria se o sentimento fosse constantemente renovado e se
o ato sexual propriamente dito viesse a tornar-se mais prazeroso para ela,
recomendando-lhe mesmo que conversasse com ele sobre isso.
Num seriado
americano que eu acompanhava há alguns anos, um dos personagens namorava uma
mulher lindíssima, mas somente conseguia excitar-se ouvindo Barry White arrotar
os primeiros acordes de You're The First, The Last, My Everything. Comédia,
claro, mas sabemos que há pessoas que precisam de filmes, revistas, músicas ou
fantasias para conseguirem avivar seu desejo. Tem até aquela piadinha da mulher
que fica curada da enxaqueca repetindo muitas vezes: "não estou com dor de
cabeça, não estou com dor de cabeça" e, depois, flagra o marido preparando-se
para transar com ela: "não é a minha mulher, não é a minha mulher".
Um
outro catalisador para o nosso tesão que não foi analisado pela revista, é o
amor próprio, a auto-estima. Olhar-se no espelho e ver-se bem e atraente pode
ser muito excitante. E, quando o espelho em questão é, na verdade, o olhar cheio
de vontade de nossa cara metade, aí, não há banho frio que dê jeito. Pelo menos,
funciona comigo. Se isso é instinto animal, reação química, safadeza, paixão ou
amor, deixo para os especialistas responderem. Mas que é bom, é!
Pensando
bem, eu não precisava ter comprado a revista e nem você ter me lido, para
entender como funciona esse mecanismo que tem garantido a perpetuação da espécie
humana e a enorme indústria do sexo pelo mundo afora. Não há nada de novo no
front.
Mas, há muito mais entre o céu e a terra do que os escândalos da
compra da Varig. Há o que é intrínseco a você e à pessoa que está com você, se
houver uma, ou, caso contrário, às pessoas capazes de atrair você. São esses
nossos fenômenos, individuais e acima de qualquer categorização, que valem cada
suspiro, toda a taquicardia e pupila dilatada, cada gota de suor derramado, cada
gemido ou sussurro... pra que entender?
Nena Medeiros